O
livro “O Homem medieval” de autoria do historiador medievalista francês Jacques
Le Goff, foi publicado em 1994, e trata-se de uma coletânea de artigos da
antropologia medieval que reúne os mais respeitados e conceituados
medievalistas da história onde debruçados ao longo de anos em pesquisas acerca
do mundo do ocidente medieval, trabalharam conceitos e definições da vida do
homem que viveu no período máximo do cristianismo, denominado por Idade Média.
A
obra estar dividida em 10 partes, e analisa desde a importância do cristianismo
na vida do camponês, do servo, do eclesiástico e da monarquia, até mesmo, os
ritos ou atividades que cercavam o cotidiano medieval. São elementos
importantes da idade média que configuraram e configuram até hoje o mundo
cristão (e não cristão) ocidental que a obra trabalha ao longo de seus
capítulos. Como práxis das escritas de medievalistas, o estudo do homem e sua
mentalidade se fazem mais uma vez necessário, visto que ainda é uma
complexidade discutir as ações humanas num período tão vasto da história.
Cabe
ressaltar que, a Idade Média descrita na obra, não é apenas aquele contexto
histórico fissurado em alguns eventos relevantes do período ou de nomes
importantes da sociedade medieval. Os autores buscaram a todo o momento
demonstrar e apresentar uma idade média vista pelo os símbolos importantes da
época que configuraram toda aquela sociedade, surtindo efeitos até mesmo na
chegada da modernidade.
No
presente texto será resenhado apenas os dois primeiros capítulos da
obra: “Os Monges” por Giovanni Miccoli e “O guerreiro e o
cavaleiro” por Franco Cardine.
OS
MONGES
No
capítulo intitulado “Os Monges” a autora nos apresenta a pretensão
dos monges ocidentais do mundo medieval à hegemonia social e sua mentalidade
elitista. Ela começa traçando o perfil (ou perfis) dos diferentes
comportamentos dos monges medievais. Em primeiro lugar, estão os clérigos e, mais
em especial, chamados de monges, cuja função é a oração que os põe em ligação
com o mundo divino e lhes dá um enorme poder espiritual na terra.
Para
os medievais, o mundo era obra de um Deus sábio e lógico, distinto do próprio
mundo. Por conseguinte, o mundo lhes aparecia como algo que pode ser conhecido
pelo homem mediante a sua razão; não é um fantasma nem uma armadilha, mas
também, é um mundo misterioso que devia ser observado com seus diversos
cuidados. Os monges, segundo a autora seria detentores desses cuidados, pois,
na visão deles foram os fundadores da igreja primitiva do cristianismo
verdadeiro.
Apresentam-se
como os únicos herdeiros autênticos da Igreja primitiva e descrevem as
condições de vida dos homens segundo uma hierarquia de moralidade e de mérito
no sentido da qual se colocam a eles próprios. Vivendo mais sujeito a uma
regra do que como homens comum, isolado e independente, o monge encarnava assim
os ideais de obediência e disciplina.
Sobre
as regras vividas e seguidas por esses monges, cabe ressaltar as regras de São
Bento (um dos principais monges e santos da Igreja Católica Romana) que a
autora descreve com sutileza. Se baseava na oração e no trabalho, ambas as
ações indispensáveis ao desenvolvimento religioso de um monge medieval. Com
efeito, além da oração, São Bento ensina o valor e a sistematização do
Trabalho. Imagina, assim, o seu discípulo como um operário cristão. O
trabalho é essencial à identidade monástica, seja o manual, seja o intelectual,
seja o artístico ou artesanal.
São
esses primeiros símbolos que começam a dar sentido ao mundo medieval. O monge
além de um ser um homem espiritual, detentor dos mistérios divinos, ele também
é responsável por ensinar aos pequenos e simples homens comuns daquela
sociedade a ideia da importância do trabalho, pois, esta ação era o que
movimentou o medievo.
No
decorrer da regra, São Bento ilustra as motivações do trabalho, onde este
corresponde a um gênero de vida pobre, que exige a labuta pessoal para poder
manter, o mesmo é serviço à comunidade e aos hóspedes, a exemplo do que fez
Cristo. A oração é o fator importante que não deve faltar na vida de um
monge, o mesmo reza pela salvação dos outros homens, mas pretende
adquirir acima de tudo a perfeição e a sua salvação pessoal.
O
trabalho é desenvolvimento dos talentos que Deus entregou ao homem e cuja
aplicação ele vai julgar. Trabalhar em comum é, para São Bento, um valor, tanto
que os monges culpados de faltas graves são excomungados não só da oração e da
refeição comunitárias, mas também do trabalho com os irmãos. Assim, nessas
regras, o homem monge medieval, ia se moldando nos seus diferentes perfis
arraigados no cristianismo. As regras de São Bento, portanto, formou os monges
(e, consequentemente, a sociedade) no sentido da diligência e da disciplina do
trabalho.
Outra
análise que Miccoli destaca é a formação dos primeiros mosteiros medievais
(século VI e VII) por quase toda a Europa. Esses mosteiros eram grandes casas
na qual abrigava monges e monjas medievais, mantendo antigas tradições dos
primórdios do cristianismo até o século XII, composto por dormitórios,
refeitórios, cozinhas, e uma sala de enfermaria; era necessária também uma sala
para a reunião dos monges, chamada “sala do capítulo”, nela se lia e meditava
um capítulo da regra adotada. Havia também o jardim com seu espaço entre a
igreja e as outras dependências.
É
nos mosteiros medievais que surgem as primeiras e importantes bibliotecas do
mundo, onde concentrava grandes obras do cristianismo ocidental, e também do
judaísmo e islamismo. O monge tem uma relação, tanto com Deus como com o
Diabo, de quem é a presa privilegiada. Perito nas agressões de Satanás, protege
os outros homens do antigo inimigo. É igualmente um especialista da morte,
através das necrologias que existem nos mosteiros e que constituem cadeias de
oração pelos defuntos.
O
monge era um conselheiro e um mediador, sobretudo dos grandes. E também um
homem de cultura, um conservador da cultura clássica, um perito na leitura e na
escrita, graças aos livros dos mosteiros, à biblioteca e oficina de cópia
e decoração dos manuscritos, reunia em si o vigor intelectual e a exuberância
emotiva e uma sabedoria da escrita que sabia exprimir e matizar sensações,
desvios, subtis atenções e segredos. O mosteiro era o espaço que antecedia o
paraíso e o monge era o mais habilitado para se tornar um santo.
O GUERREIRO E O CAVALEIRO
O
segundo capitulo intitulado O guerreiro e o cavaleiro de Franco Cardine,
analisa como o homem medieval tornou-se um importante cavaleiro para a
sociedade do ocidente. O cavaleiro medieval é fruto do início das cruzadas que
objetivava conquistar terras ocidentais como orientais, pois, tais
objetivos também incluía a propagação da fé e do cristianismo católico aos
povos judeus e bárbaros.
Responsáveis
pela formação das forças militares de seu tempo, segundo Cardine, os cavaleiros medievais
apareceram entre os integrantes da nobreza medieval e até mesmo do alto clero. Principes, duques, marqueses, como também monges e sacerdotes fizeram parte das cavalarias medievais. A princípio, além da origem nobiliárquica, um cavaleiro deveria ter treinamento
e armas para ascender a tal condição. Em muitos casos, recebiam terras e
direitos de cobrança para defenderem a propriedade de um senhor feudal. Ao
longo do tempo, o alcance dessa prestigiada condição foi se cercando de maiores
exigências.
O cavaleiro desempenhava um papel essencial na descoberta de novos territórios,
sendo um protagonista da promoção de jovens para a cavalaria. A cristianização
de antigos ritos bárbaros da entrega das armas cria um rito de passagem
essencial para o jovem guerreiro: a investidura. No século XII, aconteceu o
nascimento de uma nova cavalaria: a dos monges guerreiros das ordens militares.
Como o monge, o cavaleiro era um herói da luta contra o demônio.
O
cavaleiro torna-se um místico e a aventura cavaleiresca transforma-se na busca religiosa
do Graal. O imaginário cavaleiresco, que perdurará até a época de Cristóvão Colombo, conquistador
místico, apoia-se num fundo mítico-folclórico e nas miragens do Oriente. O
imaginário cavaleiresco exprime-se na caça, nas lutas e guerras.
Nas
situações de guerra, segundo o autor, os cavaleiros eram organizados em
diferentes postos de batalha. Tão importante quanto a sua posição e
habilidades, um cavaleiro não poderia sobreviver muito tempo em guerra sem que
estivesse acompanhado de seu cavalo. Se a sua montaria fosse perdida, a morte
era quase certa. Ao fim do período medieval, a formação dos exércitos nacionais
e a introdução das armas de fogo foram enfraquecendo a imagem do cavaleiro, que
passou a figurar as lendas de uma época.
O que o autor também apresenta é a ideia construída aos cavaleiros medievais, estes, que eram importantes e fundamentais protetores de um território feudal - seja o castelo como a igreja - a imagem cavaleiresca sofreu significativas transformações ao longo do tempo, principalmente devido as guerras politicas e religiosas que o Ocidente enfrentava.
CONSIDERAÇÕES
Discutir
a idade média sem mencionar figuras como os monges e os cavaleiros, é como
excluir sujeitos importantes que deram sentido a história medieval, pois, estes
grupos que surgiram ao longo desse período foram um dos mais responsáveis pela
a formação do Ocidente, seja na defesa e propagação da fé como também na defesa
do território ocidental.
O
que percebemos ao longo destes dois capítulos é que os autores buscaram
apresentar em seus escritos a mentalidade dos diferentes homens medievais e
como as suas ações influenciaram no decorrer dos séculos.
Os
dois capítulos trabalham principalmente a complexidade dos “homens medievais”,
pois não eram apenas “um homem”, mas vários. Seja no modo de vida, de crer e de
sobreviver nessa época. É importante ressaltar, a maneira que os autores
trabalham diferentes dignificados e signos trazidos ao longo do tempo pelo a
sociedade medieval. Para os autores
medievalistas desses capítulos, o homem medieval é antes de tudo, um homem que
viveu o seu tempo sem transcorrer um longínquo período da história, vivendo as
experiências que lhe cabiam diariamente, tendo a fé como principio da razão.
REFERÊNCIAS
MICOLI,
Giovanni. Os Monges. CARDINE, Franco. O guerreiro e o cavaleiro. In: LE
GOFF, Jacques. O Homem Medieval. (Org.) Jacques Le Gof.
Editora Presença, Lisboa, 1989.
Excelente.
ResponderExcluirGrato!
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